quarta-feira, 15 de maio de 2013

Álcool

Olhos fechados para visualizar melhor as lembranças de seu passado. Lágrimas que rolam pelo rosto agora enrugado e surrado. Um sorriso aqui, uma careta ali, tudo acontecendo novamente por debaixo das pálpebras de pele fina daquele solitário senhor, deitado em seu sofá de couro após uma tarde embebida em álcool. O resto de sol daquele dia entra pela janela e ilumina aquela pequena lágrima em seu caminho até o abismo entre a bochecha e o couro. A garrafa de uísque, agora vazia, está de pé próxima ao sofá, ao lado da mão de dedos grossos daquele homem.
Os olhos negros fitam os azuis daquele jovem rapaz. Risos ruborizados ecoam pela sala, seguidos do estalo de lábios insaciáveis um pelo outro. Roupas se vão, o pudor também e após várias horas de sussurros, gemidos e rangidos, ouve-se o debruçar de dois corpos ardentes em lençóis engruvinhados. Antes que qualquer coisa fosse dita, tudo se torna enevoado e os outrora apaixonados, se encontram discutindo, se agredindo e desiludindo: era o final de toda a esperança, o momento em que os olhos negros negaram o mergulho no azul profundo. O momento na qual o deus deu as costas a seu adorador. O instante em que o chão se abriu e o inferno se instalou na Terra. Em meio ao choro, os momentos de solidão passando como se estivessem em uma maratona, na qual o grande prêmio era segurar a mão fria e esquelética da ceifadora de almas. E ela esperava paciente, com um sorriso em seu pálido e magro rosto.
Olhos abertos. O senhor então senta-se e decide não mais lembrar do dia em que a escuridão que completava sua vida se foi. Tomou um banho, sentiu como se cada gotícula de água fosse uma agulha atravessando sua pele. As lembranças de como ele havia deixado aquilo acontecer o perseguem mesmo após tantos anos, e ainda doem como se tudo tivesse acontecido a poucos momentos. Agora ele passa os dias imaginando o que aconteceu e quem ilumina aqueles olhos escuros atualmente. Mais lágrimas, mais dor, mais vontade de apenas desaparecer. 
Ele está ajoelhado com suas mãos tapando o rosto enquanto as agulhas caem em suas costas. Uma brisa fria entra pela janela e uma presença é notada à sua frente: lá estava a guia para o outro mundo, com um sorriso aconchegante e a mão esperando para levantar aquele que já havia batalhado demais. Ele segurou sua mão, levantou e a seguiu para a luz mais reconfortante de todas. Ao fundo podia ver uma silhueta conhecida. Seu sorriso foi inevitável e, tomado pela sensação de ter seus vinte anos novamente, correu em direção a ela, a abraçou e nunca mais haveriam de se separar novamente, não importando de qual lado da vida fosse. E assim cumpriram o acordo por toda a existência.

P.S.: Promessas que deveriam ser cumpridas, mas sujeitas à aprovação de um superior. Talvez o ciclo envolva separações e dor, mas o amor prevalecerá.
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