sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Final (Ou O Novo Gênesis)

Os últimos humanos realmente vivos lutam há mais de um ano contra aqueles que se levantaram das próprias tumbas. A comida se tornou rara, os lugares tranquilos para se produzir o que comer também, uma vez que em toda parte podia se encontrar um desses que se recusaram a morrer. Cidades enormes encontram-se destruídas. A vida selvagem foi completamente afetada pela migração dessas criaturas para as florestas em busca de comida. Um cenário previsível apenas em histórias em quadrinhos, séries e filmes sobre zumbis.
Mas o mais extraordinário e aterrador ainda estava por vir. Ao entardecer, um tremor violento rasgou as ruas daquela que já foi a maior cidade do mundo. Desse enorme rombo, uma figura aterradora se ergueu. Suas vestes eram negras e esvoaçantes, seu rosto coberto por um capuz, enormes asas de penas escuras como a noite surgiam de seus costas e em suas mãos pálidas e esqueléticas, uma gadanha cujo cabo era feito de uma madeira escura, com aspecto de algum galho recém-retirado de alguma árvore, e com lâmina brilhante e aparentando ser bem afiada. Todos que se encontravam naquela rua, vivos ou não, pararam para admirar tal entidade. Todos demonstravam medo em seus rostos. Todos ali conheciam aquela figura maligna e se espantaram ao vê-la emergir das profundezas. Logo, os vivos estariam ainda mais surpresos.
A criatura abaixou o capuz e revelou sua feminina, branca e magra face. Ao contrário do que muitos até então pensavam, a verdadeira face da morte não era horrível ou assustadora; era como de uma mulher bonita e muito magra, de cabelos negros e lisos, mas com o olhar firme e superior, sabendo de sua posição para a manutenção do universo. Ela então estendeu sua mão esquerda e, com um gesto simples de quem pede para alguém se aproximar, todos os mortos voltaram para seu sono eterno. Suas asas se abriram e ela desapareceu em um instante, deixando os vivos aliviados e confusos. O que realmente aconteceu? A morte perdeu o controle sobre as almas? Ou quis apenas que os humanos recebessem uma lição? A resposta nunca foi encontrada. 
A humanidade se refez, o mundo começava a se reerguer mas, dessa vez, com receio do que poderia vir a acontecer se as coisas chegassem ao nível que tinham chegado antes daquele apocalipse. Todos deixaram de apenas temer a morte, começaram a respeitá-la e a pedir para que ela não deixasse esse mundo novamente. A paz finalmente pôde reinar sobre os humanos. Era um final feliz para quem já provou inúmeras vezes que não merecia; era o aviso final.

P.S.: Não se deve apenas temer e evitar aquilo que é a nossa única certeza, pode ser que um dia ela não se faça presente e nos mostre da maneira mais difícil qual a sua verdadeira função.
P.S.²: Fim da saga dos mortos-vivos. Fim do mainstream.
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sábado, 7 de julho de 2012

Última Parada

E o ônibus se aproxima de sua última parada antes de chegar ao seu destino final. Todos os passageiros começam a acordar, coçar os olhos e enfileirar-se no estreito corredor para finalmente irem ao banheiro e esticar um pouco as pernas após algumas horas de viagem pela madrugada. Mas algo não estava normal: uma pequena multidão se aglomerava ao redor de um ônibus mal estacionado em sua vaga. Uma mulher gritava desesperadamente e era amparada por funcionários do famoso posto à beira da estrada. E logo o motivo ficou visível a todos daquele recém-chegado ônibus: havia um corpo estirado entre o veículo mal estacionado e a sarjeta de sua respectiva vaga.
Ao descer, a maioria dos passageiros se reuniu à curiosa, e cada vez maior aglomeração para ver o desfigurado defunto. Mas a fúnebre alegria durou pouco, pois logo as equipes de resgate e os policiais chegaram para averiguar o ocorrido e, obviamente, dispersar os urubus de cima da carniça fresca (como dito por um dos socorristas). Após alguns instantes, a maioria dos curiosos foi dispersada, o corpo foi coberto e os policiais começaram a coletar informações com as testemunhas uma a uma. 
Os passageiros do até pouco tempo ônibus recém-chegado começaram a reembarcar normalmente após os costumeiros vinte minutos de parada quando uma senhora, lá do final da fila, começou a gemer de medo e apontar em direção ao corpo coberto. Todos pararam e levaram as mãos à boca ao vislumbrarem a bíblica cena do corpo que retorna do mundo dos mortos. Por alguns instantes acreditaram se tratar de um milagre, mas logo perceberam que era a própria visão do apocalipse: o corpo ressurreto grunhiu ferozmente e avançou em direção a uma das testemunhas, mordendo-lhe e arrancando-lhe um grande pedaço de seu rosto! Os policiais então o agarraram e o forçaram a soltar a testemunha, mas ele não pode ser contido e começou a avançar em direção a uma jovem que estava próxima ao banheiro. Ambos, corpo e jovem, correram para dentro do banheiro e para fora da visão dos embasbacados passageiros.
A garota, em um estranho reflexo de seu pavor, correu com o corpo virado para aquela assustadora criatura e, ao topar com um balde, caiu sentada no frio e molhado piso. Antes mesmo que pudesse descobrir do que o piso estava molhado, o ensanguentado e enfurecido morto vivo lançou-se para cima da jovem, com suas mãos sempre à frente para garantir que sua presa não fuja. Ela tentou impedir o avanço dos destroçados dentes com força total, mesmo sabendo que não seria suficiente. Os dentes estavam conseguindo chegar cada vez mais perto de seu suave pescoço. Ela fechou os olhos para sua última prece. E um estrondo se fez ouvir naquele ambiente imundo. E o corpo estava novamente sem vida. E uma voz arrogante se fez ouvir:
- Então é assim que isso vai começar? Um atropelado correndo atrás de uma garotinha? Você ai de cima, e você ai de baixo: esperava algo melhor vindo de vocês para um apocalipse! 
Quando finalmente abriu os olhos e removeu o gélido cadáver de cima de seu belo corpo, a jovem não conseguiu localizar seu salvador, só alguns curiosos se aglomerando cada vez mais na porta do banheiro para tentar entender a situação. Mas todos ali, sem sequer trocar uma palavra, sentem que aquilo era só o começo de algo que os colocaria em grande perigo.

P.S.: E assim o mundo caminha em direção ao juízo final! Os mortos levantam de suas tumbas e julgam quem deve ou não permanecer realmente vivo, ou seja, nenhum de nós! Nos vemos na Igreja dos Mortos-Vivos para uma última oração.
P.S.²: Um assunto tão desgastado que rende inúmeras histórias. Me rendo à ressurreição dos putrefatos.
P.S.³: Dúvidas? Clique aqui e saiba mais!