segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Redenção

Em uma escura, úmida e fria cela um homem se encontrava. Estava sentado no chão, um dos joelhos dobrados, um dos braços esticado, e apoiado nesse joelho, e cabeça baixa. Seu rosto estava escondido pelo surrado capuz marrom. Já estava ali há uns dois ou três dias e aguardava com angústia sua execução. O crime que cometera? Ir contra aquilo que todos achavam normal em sua época; discordava das matanças por diferenças religiosas e até mesmo de alguns dogmas de sua santa Igreja e não escondia sua opinião de ninguém, mas também não era do tipo que saia a bradá-la pelos quatro cantos de sua cidade, apenas a libertava na hora em que era questionado.
Mesmo tomando o cuidado de não se deixar falar sobre assuntos polêmicos, foi preso e condenado à morte por ser considerado um perigo à sociedade devido a seus atos ditos criminosos como, por exemplo, reunir os amigos em um horário não convencional apenas para jogar cartas e conversar. Além de ser preso, foi torturado em praça pública no ato da prisão, levando diversas chibatadas, socos, pontapés e cusparadas. Sua mulher tentou intervir e foi morta ali mesmo, em sua frente, assim como seu filho, que fora sacrificado com a desculpa de carregar o sangue rebelde.
O desespero tomou conta de sua alma durante o primeiro dia, fazendo com que ele gritasse por horas, amaldiçoando aquele mundo injusto. No segundo dia já não aguentava mais, o sentimento agora era de culpa; se não tivesse sido diferente de todo o resto, estaria agora com sua mulher e seu filho. Implorou por perdão divino diversas vezes. Após muita luta, ele acabou aceitando o próprio destino e resolveu apenas esperar sua punição em silêncio.
Durante a madrugada do dia de sua execução, o homem, que não conseguia dormir tamanho desespero, olhou para cima e viu o que se acredita ser o anjo da morte. A figura era imponente, armadura e asas da cor do mais puro sangue e cabelos dourados; sua face era de traços suaves, mas possuia expressão forte e decidida. Não disse nada, apenas estendeu a mão ao angustiado rapaz, que lhe deu a mão e não mais sentiu angústia ou dor, apenas tranquilidade e a certeza de que em poucos momentos estaria novamente com seus amados e que não deveria se arrepender do que fez em vida, e sim ter orgulho! Libertou a vida de muitas pessoas sem que derramasse uma única gota de sangue para chamar a atenção. A morte de sua família foi apenas consequência da ignorância humana em relação ao diferente.

*Algumas "cenas" desse texto foram concebidas tendo como inspiração a canção "Late Redemption", da banda Angra. Mas o texto se torna distante da ideia da música ou do álbum do qual essa música faz parte.
** Digo cenas por pensar primeiro em imagens e depois transcrevê-las, colocando alguma história para elas.

P.S.: O mundo é injusto, mas já foi pior. Aos poucos, as pessoas mais corajosas derramam o próprio sangue, causando uma dor temporária que faz com que os ditos cidadãos pensem e mudem alguns aspectos de tolerância. Pena que a satisfação dos atos cria o oceano de esquecimento coletivo e tudo volte a ser como era até a próxima onda negra de dor.
P.S.²: Sim, este mundo só está se afogando em caos por não aceitação ao próximo.
P.S³: Dúvidas? Reclamações? Errei em algo? Então clique aqui e saiba mais.

Um comentário:

Isolda disse...

Lembrei um pouco do livro "Os que bebem como cães".
É como você disse: O mundo é injusto, mas já foi pior. A humanidade tá melhorando. Em passinho de tartaruga, mas tá.


Adorei, amor.
Bjão!
Amo-te.