Crianças fantasiadas de toda a sorte de monstros andam pelas ruas decoradas com as mais variadas monstruosidades concebidas em plástico, isopor e papel higiênico. Era a noite mais aguardada do ano para Caio e Marcelo. Finalmente estavam nos EUA e conheceriam a mais famosa festividade de lá: o halloween. Mas eles não eram duas crianças deslumbradas, eram dois marmanjos de 30 anos em férias da empresa que resolveram viajar juntos. Planejaram todos os detalhes durante o ano anterior, deixaram de beber durante longos seis meses para poderem tomar um porre assustador em terras estrangeiras.
Os amigos haviam chegado a uns
dois dias e já foram fazer um reconhecimento da pequena cidade toda decorada.
Ficaram um tanto quanto desapontados ao perceber que tudo era muito simples,
que o ar de mistério e incrível decoração dependia mais do ângulo escolhido
pelo fotógrafo do que pela criatividade dos moradores. Mas isso não os
desanimou. Foram procurar um dos famosos pubs para passar o dia 31 de Outubro
bebendo em meio a outros tantos marmanjos que, provavelmente, estariam
fantasiados e levariam algumas garotas. Trinta anos nas costas e com a ideia de
que tudo seria como nos seriados e filmes que assistiam na adolescência.
O pub mais famoso da cidade,
localizado em uma esquina em frente a uma pequena praça, estava fechado naquele
dia, mas havia um grande cartaz colado na porta que convocava todos para os
festejos de halloween, a fantasia, que começariam à meia-noite e terminaria às
onze e cinquenta e nove do dia 31. Os amigos ficaram mais animados ainda ao
lerem que haveria uma rodada grátis de chope para todos logo nos primeiros
momentos.
Finalmente o dia chegou! Ainda
nem eram dez horas da noite e ambos já estavam com suas fantasias postas: Caio
era uma múmia de papel higiênico e Marcelo um fantasma de lençol. Nada
criativos e ainda bem que não era uma competição! Saíram do hotel e foram dar
uma volta pela cidadezinha e observar as decorações novamente, já que agora as
veriam todas iluminadas. Se sentiram um pouco menos desapontados ao perceberem
que as luzes ajudavam a criar um clima mais glorioso aos fantasmas de papel e
às abóboras de plástico vagabundo. Enquanto andavam, perceberam um ou outro
vulto passeando entre as decorações. Imaginaram ser algumas crianças que não
aguentariam esperar até a noite seguinte para assustar dois turistas
desavisados, ou estariam os bobalhões realmente com medo? Resolveram deixar
aquela rua deserta para lá e irem logo aguardar o pub abrir.
Ao chegarem ao pub, perceberam
que já havia uma longa fila de espera. Uma fila formada por múmias envoltas em
tiras de papel higiênico, demônios vermelhos de tinta guache, lobisomens que
não precisavam colar pelos em seus próprios corpos por já os possuírem em
demasia, vampiros saídos de um sex shop e até mesmo por um Thanos magricela e
um Coringa muito acima do peso. Apesar do desleixo, as fantasias de Caio e
Marcelo ainda eram melhores que muitas dali. O que desanimou os amigos foi a
falta de mulheres. Será que nenhuma viria? Ou será que as garotas só aparecem
mais tarde para evitar assédio na fila? Não importava! Desde que viessem!
Enquanto a dúvida permeava as mentes pervertidas, os dois maltrapilhos se
posicionaram atrás de um projeto de Crocodilo Dundee.
As portas finalmente se abriram e
a fila andou. O pub era apertado e estava lotado de homens mal fantasiados.
Ainda bem que não era no Brasil, senão o calor faria daquele o lugar mais
insuportável para se estar. Conseguiram arrumar lugar para se sentarem em
frente ao balcão e logo um bartender fantasiado como o Senhor das Trevas do
filme A Lenda, de 1985, depositou uma enorme caneca em forma de crânio repleta
de chope avermelhado para eles. A fantasia era incrivelmente realista! Ficaram
imaginando o pobre bartender sendo maquiado por horas para obter aquele
resultado fantástico. Beberam o primeiro gole de chope e ficaram espantados em
como era saboroso e refrescante! Não tinha gosto de corante ou de groselha como
nos barzinhos metidos a chique do Brasil, mas sim um sabor leve e completamente
diferente dos chopes brasileiros. Beberam com afã aquela maravilha e logo
esvaziaram a “crâneca” (a criatividade deles estava a mil de tão empolgados que
estavam). Queriam mais, mas por incrível que pareça, não conseguiam localizar o
“capirotão”. Cada um olhou para um lado e, ao voltarem a cabeça para frente
novamente, encontram suas crânecas cheíssimas novamente. E nada do capirotão. Resolveram
não pensar na esquisitice da situação e resolveram beber com um pouco mais de
calma, afinal, ainda havia mais um dia inteiro de festa pela frente.
Já eram mais de duas da madrugada
e nenhuma mulher havia chegado ao pub. Ficaram encanados de ser um pub voltado
ao público gay, mas ninguém estava se pegando, não tocava nenhuma música mais
sugestiva e o pessoal estava até controlado demais para duas horas de
bebedeira. Tudo estava normal demais, exceto pela ausência de mulheres. Não
havia nenhum anúncio de que aquele era um pub na qual só poderiam entrar
homens. Onde estariam todas as garotas? Logo a dúvida foi deixada de lado, pois
uma finalmente se sentou ao lado de Marcelo! Estava fantasiada como Diabolin,
do desenho Cavalo de Fogo. A fantasia era incrível por duas questões: era muito
bem feita e quem diabos se lembrava desse desenho fracassado?!
A Diabolin em questão era uma
mulher que aparentava ter uns 40 anos e uma aparência realmente similar à do
desenho de 1986. Marcelo imaginou que, por ela conhecer esse desenho, talvez
reconheceria o bordão que utilizaria para abordá-la e mandou um “How you
doing?” com sua expressão sedutora mais canastrona possível. Sem resposta. Ela
sequer olhou. Imaginou que não fosse americana e tentou cumprimenta-la em
português. Nada. Francês? Tão pouco. Procurou no celular como cumprimentar uma
mulher em Alemão. Falhou. Apesar dela não ter nenhum traço asiático, tentou
japonês, chinês, indiano. Desistiu. Achou que já estava sendo inconveniente
demais àquela altura do campeonato. Resolveu sentar virado para a área na qual
as pessoas estavam em pé no pub e ficar comentando com o Caio sobre os figurões
que lá estavam. Deu uma última olhada e a mulher misteriosa já não estava mais
lá. Já não estava mais em lugar algum.
Depois de três crânecas de chope
vermelho, Caio foi ao banheiro pela primeira vez. Estava muito apertado. Havia
apenas um mictório e uma cabine no banheiro. O mictório estava quebrado e a
cabine ocupada, com o Crocodilo Dundee e um lobisomem aguardando a sua frente.
O peludão aparentava estar sem paciência e resmungou algo sobre estarem
demorando muito lá dentro e bateu com força na porta, avisando que havia mais
gente querendo usar o banheiro. Silêncio. Ele e Dundee trocaram olhares e o
lobisomem sentou o pé na porta da cabina, derrubando-a e logo saltando para trás
assustado. Do assento do vaso sanitário até próximo aos limites das paredes de
madeira da cabine havia sangue e pequenos pedaços de carne grudados. O susto
foi tanto que o exageradamente provido de pelos esqueceu de continuar contendo
sua urina e a despejou em sua calça branca, deixando-a rubra. Caio recuou ao
ver o líquido vermelho escorrer pelas canelas do homem, pois não tinha como a
bebida deixar a urina daquela cor, tampouco com aquela espessura. O homem
estava urinando sangue sem parar e estava em desespero por isso! Apoiou o braço
esquerdo esticado na parede e olhou para baixo arfando enquanto via a poça
crescer cada vez mais ao redor de seus pés. O outro homem urinou normalmente no
vaso ensanguentado, lavou as mãos e saiu como se nada estivesse acontecendo.
Caio estava acuado na parede ao lado da porta do banheiro, urinado, tremendo e
paralisado com aquela cena toda. Após alguns instantes, o lobisomem esbaforiu mais
alguns momentos e desmaiou, batendo a cabeça na parede e logo em seguida caindo
na própria poça de sangue.
Caio saiu do banheiro alarmado,
molhado e tremendo, querendo sair dali o mais rápido possível. Mas logo viu que
seria impossível. Não havia mais ninguém no salão a não ser uma pilha disforme
composta de pedaços humanos coloridos ou enrolados em papel higiênico manchado
de vermelho. Ao lado, o senhor das trevas segurava um inquieto e desesperado
Marcelo pelo pescoço e o erguia até acima de sua cabeça, quase mais alto até
que seus chifres. Riu de satisfação e apertou sua poderosa mão até despedaçar o
pescoço de Marcelo. Jogou o corpo um pouco para cima e o atravessou com seu braço.
Aquela criatura era tão poderosa que Caio apenas ficou parado; sabia que não
teria nenhuma chance.
O monstro jogou o corpo de
Marcelo junto ao monte de tantos outros e saiu. Em seguida, pequenos vultos
correram do banheiro em direção a pilha sangrenta e se revelaram pequenos seres
semelhantes a bebês humanos. Havia meia dúzia deles. Um pegou um braço
decepado, abriu uma enorme bocarra com dentes serrilhados e o devorou com duas
mordidas rápidas. Logo todos fizeram o mesmo. A pilha acabou em menos de cinco
minutos e lamberam o que sobrou com suas enormes línguas.
Caio não sabia a razão de ter
sido poupado. Será que não o viram? Talvez ele não fosse muito saboroso. Ou
talvez a urina incomodasse. Ou talvez... bom, ele não precisava mais se
preocupar. Em sua frente estava Diabolin, perfurando sua barriga com um punhal.
O olhar fixo em seus olhos. As últimas imagens vislumbradas por Caio foram da
enorme boca com dentes serrilhados se aproximando de seu rosto.